sábado, 2 de abril de 2016

A inconsistência da presença simultânea de deus e do mal

O paradoxo de Epicuro é um dos dilemas (ou no caso, trilema) mais debatidos na filosofia ao longo da história. Seria possível a existência de deus e do mal ao mesmo tempo? Seria deus onipotente, onisciente ao mesmo tempo que onibenevolente?

O trilema proposto pelo filósofo grego Epicuro de Samos é estruturado da seguinte forma, considerando as três características do deus judaico cristão, onipotência, onipresença e onibelevolência:

A - Deus deseja mas não consegue acabar com o mal. Nesse caso deus não é onipotente.

B - Deus consegue mas não deseja acabar com o mal. Nesse caso, deus é perverso.

C - Deus deseja e consegue acabar com o mal. Nesse caso, deus é irreal pois o mal existe.

D - Deus não deseja e não consegue acabar com o mal. Nesse caso, por que chama-lo de deus?

Seguindo esse raciocínio cético da existência de um deus todo poderoso e todo bondoso, questionamos: de onde vem o mal? Se deus é o criador de todas as coisas, ele criou o mal também, então ele não é todo bondoso, mas se o mal surgiu sem o consentimento de deus, então deus não é o criador de todas as coisas, consecutivamente não sendo onipotente e onisciente.

A famosa expressão de que o homem é a imagem e semelhança de deus destaca essa incoerência bíblica. O homem é um ser imperfeito e pecador, como então seríamos imagem e semelhança de deus que é perfeito? Teríamos nos corrompido após o pecado original de Adão e Eva? Antes disso teríamos sido nós seres perfeitos à imagem de deus?

Existe o conceito do demiurgo muito conhecido no gnosticismo cristão. Nessa ideia, o deus primordial teria criado um ser que seria responsável pela criação da terra e da humanidade, esse deus filho criador do mundo é conhecido como demiurgo. Na gnose cristã, o demiurgo seria o deus do antigo testamento que não é um deus benevolente ou todo poderoso. Um deus controverso, e que no novo testamento ele teria sido destruído ou removido de alguma forma com a vinda do deus criador verdadeiro e primordial, Jesus Cristo. Algumas pessoas consideram que o demiurgo seria o próprio Lúcifer.

Em outras crenças e mitos, é mais fácil a compreensão da existência do mal e de um (ou vários) deus ao mesmo tempo, principalmente em religiões politeístas onde claramente não existe um deus único todo poderoso. Geralmente nessas religiões politeístas, os deuses possuem muito as características de seu povo, sendo cada divindade responsável por um setor da existência.

O problema maior reside realmente no deus YHWH em que se propõe um deus absoluto e infalível. Ao mesmo tempo em que vivemos em um mundo caótico, diverso e multifacetado. Teria deus nos dado o livre arbítrio para escolhermos entre o bem e o mal como uma forma de teste? Mas então por que crianças inocentes sem qualquer discernimento moral deveriam sofrer a pena de um teste sádico desses? Os espiritas kardecistas alegam que o sofrimento mundano dessa vida é o pagamento de um pecado cometido em uma vida passada. Eu considero essa explicação muito rasa.

O mal nasce na pessoa ou a pessoa desenvolve a maldade ao longo de sua vivência e suas relações com a sociedade? Para mim, o ser humano nasce cru moralmente e é moldado pelos preceitos éticos e morais da sociedade ao redor. O discernimento de bem e mal, certo e errado são ganhos com o tempo. Aquela famosa frase de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe é meio errônea. Eu diria que o ser humano nasce neutro, a sociedade o molda.

Se deus é onisciente, onipotente e onibenevolente, deus é um reflexo do desejo do homem de ser perfeito, e não o homem um reflexo da imperfeição de deus. O homem criou o deus YHWH à imagem e semelhança do que ele deseja ser. Em outras religiões com deuses menos absolutistas, deus, ou deuses podem sim ser considerados reflexos do homem daquela época e de sua cultura. Em suma, a existência de um ser criador todo poderoso e todo bondoso é inviável filosoficamente falando.


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