domingo, 6 de março de 2016

A Bruxa e seu retrato histórico da ignorância

Há algum tempo atrás eu me descobri um entusiasta a aprender conhecimentos de ocultismo, esoterismo e satanismo em especial. Quem me conhece sabe o meu interesse por demonologia e magia do caminho da mão esquerda, apesar de meus conhecimentos serem extremamente rasos e eu não passar de um simples apreciador desse tipo de conhecimento, e não praticante. Sou também um grande defensor de figuras marginalizadas da mitologia como Set, Kali e Lúcifer, principalmente.
Esse meu gosto pessoal pelo proibido, o oculto muito provavelmente se deve à questão de eu ter uma família em parte muito católica, e em parte muito espirita kardecista. O desejo de me rebelar e quebrar essa corrente cristã de ordem e opressão me levou à profanação e iconoclastia, beirando a heresia criando em mim uma extrema repulsa pela fé cristã.
Mas o que isso tem a ver com o filme 'A Bruxa'? Digamos que eu criei uma simpatia por bruxas ao longo de meus estudos e de minha vivência. A adoração do diabo nada mais é do que a adoração de outro ídolo cristão, só que seguindo a lógica do maniqueísmo, ele seria o deus do mal, enquanto Jeová, o deus do bem. Então bruxas adoradoras de Satã, satanistas clássicos com essa mesma doutrina de adoração de seres sobrenaturais não passam de cristãos, diferente do satanismo moderno de Anton LaVey, mas deixemos essa discussão para outra hora.
Vamos então falar do filme 'A Bruxa', nome que apesar da extrema qualidade do filme eu acho bem clichê. O filme é totalmente baseado na fé cristã. Uma família extremamente religiosa, em especial o pai, o sacerdote e guia da família. Então o filme já nos apresenta um ambiente em que não só a bruxa do filme realmente idolatra o diabo, mas como ele realmente existe por ser uma ficção baseada numa mitologia judaico cristã.
O filme me remeteu bastante aos julgamentos de Salém e como a alienação religiosa pode tornar pessoas sãs em completos imbecis. Porém, diferente do caso real de Salém, aqui existe realmente uma bruxa e um demônio. O mais genial desse filme é que ele não se prende ao tão comum clichê do gênero do terror do susto. O filme constrói uma tensão e uma situação em que no clímax do filme o espectador já está perturbado e preso demais para argumentar se o diabo realmente existe ou não.
Meu filme de terror favorito de todos os tempo é o clássico 'The Thing' de John Carpenter, e o que eu gosto mais nesse filme é a tensão que ele cria. A desconfiança e o clima perturbador. Apesar de serem filmes completamente diferentes em suas propostas, 'The VVitch' e 'The Thing' são similares em sua construção de tensão e desconfiança. Suas trilhas sonoras, ambas criadoras de ambientes de extremo desconforto.
A inocência de uma criança ao cantarolar uma canção profana sobre um velho bode preto e ao mesmo tempo brincar de ser bruxa. Numa época em que instituições religiosas queimavam pessoas na fogueira por muito menos, qual o risco de ter uma filha supostamente bruxa? Pense nos termos de hoje, sua mãe, evangélica fervorosa, permitiria que você participasse de rituais profanos honrando o príncipe das trevas?
'The VVitch' é uma aula de história. Tire o sobrenatural e você verá a ignorância da época ali transposta. O ato de cultuar um deus pagão lhe dava uma passagem só de ida para a fogueira da purificação. Os diálogos geniais do filme sobre batismo e quando o filho mais velho pergunta ao pai se o bebê sequestrado iria para o inferno por ter nascido com o pecado de Adão. Com certeza alguns religiosos mais fervorosos devem ter se sentido incomodados com isso.
Mas eu quero falar sobre o que realmente interessa e o que mais me chamou atenção nesse filme: o final. O final desta película foi a coisa mais gratificante que eu vejo no cinema em muito tempo. A jovem Thomasine, após assassinar sua mãe sob legitima defesa contra a histeria violenta em que a mãe a tentava matar, sem esperanças, desolada e sem a que recorrer, Thomasine segue o bode preto até a cabana e realiza uma das cenas mais corajosas que eu já assisti. Thomasine invoca o demônio, e com ele realiza um acordo onde em seu livro assina o contrato de sua alma. Dançando em uma clareira na floresta, estão as tão temidas bruxas, cultuando a lua e a Lúcifer seu mestre. Thomasine então junta-se à elas onde em um orgasmo de liberdade encontra seu lugar legitimo.
Esse final é poético, é lindo. Como se Thomasine finalmente tivesse se libertado das correntes da fé cega e agora seguisse seu próprio caminho. A família opressora que sempre quis guiar seu caminho não mais tem poder sobre si, ela é livre. Uma esposa das trevas, noiva de lúcifer, uma succubus. Onde antes ela vivia para servir a deus e a família vestida comportadamente, agora ela dança nua ao redor do fogo.
"Ahhhh, mas agora Thomasine vai virar uma bruxa má que mata criancinhas e dança com o diabo sob a luz do luar". A verdade é que eu não vejo esse filme como um terror de bruxas más em busca de crianças para fazer feitiços, mas como uma metáfora da busca de uma garota por sua liberdade feminina, até mesmo por sua sexualidade. As primeiras feministas da história foram as bruxas. Hoje, aqueles que se opõem ao sexismo, fanatismo religioso, preconceitos raciais e sexuais, entre outros, são todos descendentes de bruxas e sua busca por liberdade.
Para concluir: 'A Bruxa' não é um filme de terror padrão. Se você busca sustinhos e um terror superficial como 'Atividade Paranormal', vai se frustrar. Aqui você vai encontrar algo denso, um terror psicológico e sim, uma obra de arte. 'The VVitch' é o filme de terror da década e será lembrado como clássico.
Hail Satan!


Um comentário:

  1. Belas palavras, discordo em alguns pontos, porém mesmo assim belas. Realmente o filme é uma ula de história, guardando suas devidas proporções logicamente. Concordo plenamente quando discorrido sobre as bruxas serem precursoras do feminismo, avós do feminismo moderno, atualmente estudo isto. Enfim adoro este filme!

    )O(

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